domingo, 20 de dezembro de 2009

Cartas da Batian


Minha avó Haruko foi a pessoa que mais vibrou quando soube que eu ia ao Japão, logo após a minha formatura da faculdade. Foi ela também que pacientemente me ensinou a dar os primeiros passos na língua japonesa, tão enigmática e misteriosa para mim. Com muita persistência, ela conseguiu ensinar não só a língua, mas também sua experiência de vida, desde quando deixou o Japão ainda criança, a cultura de sua terra natal, suas preciosas lembranças, a culinária, valores e crenças que eu trago até hoje como um verdadeiro tesouro.
Quando me despedi dela, já no aeroporto, a única coisa que lembro foi ela me dizer para ser forte, feliz e que não nos veríamos mais. Infelizmente estava certa.
Desde que lá cheguei, suas cartas em japonês que vinham do Brasil eram minha alegria após uma semana longa de trabalho num mundo totalmente novo e diferente, amenizando a saudade. Em resposta às suas cartas, ainda num mundo desprovido de internet, cam ou skype, falava com emoção sobre o Japão, uma terra desconhecida para mim, mas ao mesmo tempo conhecida através de nossas inúmeras conversas entre um neto curioso e uma avó muito querida. As emoções maiores vieram quando conheci a cidade onde havia nascido e vivido, a escola onde tinha aprendido as primeiras palavras.. Descobri que minha família tinha raízes muito mais profundas e histórias divertidas também, típicas de uma família japonesa... Após algum tempo, retornei novamente a Nagano, nos alpes japoneses, a sua terra natal, para um trabalho temporário num hotel de uma estação de esqui, aproveitando as férias de final de ano. Trabalho duro, muitas horas de trabalho, mas aprendi a esquiar, uma proeza e tanto!
Janeiro, dia 1. O ano novo começa e tenho um sonho com a minha Batian. Conversamos e damos risadas gostosas. Comento o fato com um amigo brasileiro, que só diz que ela estava bem longe de nós. Estranho como sinto a sua presença bem forte junto a mim, penso muito nela e tenho saudade. Recebo, algumas horas depois, a notícia de que ela havia partido, logo nas primeiras horas do ano. O primeiro pensamento que me veio foi: "Que dia bonito para se partir!"
Mas veio seguido de muita tristeza. E veio também uma sensação de alívio e me sinto melhor.
Olho pela janela do quarto e neva bastante lá fora. Uma visão bonita, mas triste. Ainda está escuro. De repente me vem à mente um fato que não havia pensado antes: que eu estava exatamente onde ela havia nascido e ela partiu exatamente de onde eu havia nascido... Me senti feliz e me emocionei muito por esta coincidência, algo que somente eu e ela soubéssemos, como se fosse um segredo entre nós, sabe? E posso afirmar que foi nesse momento que me senti mais próximo dela do que de qualquer pessoa ou coisa por mim conhecida.

2 comentários:

  1. Tava sentindo a falta dos seus artigos, Enzo! Este é tão lindo e me fez chorar... Não conheci sua avó, mas me pareceu tão doce...
    Milena Kai

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  2. como sempre...toca qualquer coração...vem a tona saudades...misto de prazer por ter convivido com pessoas sábias e tristeza por não estar ao lado delas...mas uma lição...compartilhar momentos ,dia a dia,com aqueles que estão presentes,vivos,longe ou perto mas que fazem parte da VIDA. Voce faz parte da minha....um beijo!2009 foi importante pra nós dois ,partimos do inicio de novo...2010 seja mais...Amo voce!Katia Y.S.

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